Simepetro - Sindicato Interestadual das Indústrias Misturadoras, Envasilhadoras de Produtos Derivados de Petróleo
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Após o sucesso técnico, risco político no petróleo – 05/10/09
 
Valor Econômico

Antônio Dias Leite

A história do petróleo no Brasil está indissoluvelmente ligada à história da Petrobras, dominada por vezes pela política e, por outras, pela competência técnica. É surpreendente que tenha prevalecido a técnica, no bem-sucedido caminho para autossuficiência do país em petróleo. É triste, no entanto, que no momento em que os resultados do esforço técnico culminam com a descoberta dessas grandes reservas do pré-sal, o debate sobre o que fazer seja dominado por objetivos estritamente políticos, alguns ideológicos, outros menores, pondo em risco, inclusive, a dificílima tarefa, que temos pela frente, de conduzir, com sabedoria, o aproveitamento dessa riqueza natural.

O alerta já foi alvo de inúmeras manifestações em diversos meios de comunicação. Como sempre, desde meados do século XX, petróleo é tema que provoca controvérsias. E assim será no atual debate no Congresso sobre proposta do governo de uma extensa, variada e perigosa reforma institucional, compreendendo três projetos relativos ao petróleo e à Petrobras e um terceiro sobre o fundo social.

Cabe lembrar, também, que o mundo está mudando, inclusive e, sobretudo em função da possível introdução da nova política de energia dos Estados Unidos, e que todo o desenvolvimento ora proposto no Brasil exigirá tempo. No longo prazo previsto os resultados estarão sujeitos tanto às incertezas da nova tecnologia como ao balanço entre oferta e demanda de petróleo no mercado mundial, do qual decorrerá a evolução do seu preço que, por sua vez, vai determinar a margem econômica possível no aproveitamento do petróleo do pré-sal brasileiro. A pressa pode resultar em atraso.

No que se refere estritamente às reservas do pré-sal, são poucas as questões objetivas a resolver, dentre as quais destaco: 1) do ponto de vista do melhor uso do recurso descoberto, evitar que a produção de petróleo se faça de forma predatória, com baixa recuperação de reservas e/ou intensidade excessiva, que encurte seu período de vida útil; 2) do ponto de vista da economia nacional, empregar o investimento na exploração do petróleo do pré-sal como instrumento para promover a expansão e a diversificação da indústria nacional de equipamentos.

Segundo a legislação vigente, a Agência Nacional do Petróleo tem poderes não apenas para definir o escalonamento de leilões mas também para definir as regras de operação a serem propostas pelas empresas concessionárias, e ainda para induzir a participação com a intensidade desejável da indústria nacional, nos investimentos a realizar. É provável, contudo, que caiba aí algum reforço legal.

Quanto aos possíveis efeitos benéficos de um resultado econômico satisfatório das atividades no pré-sal para a população brasileira, apresentam-se também duas questões objetivas: 1) do ponto de vista fiscal, assegurar maior participação do Estado nos resultados, na hipótese de se confirmarem as grandes expectativas; 2) do ponto de vista social, assegurar a destinação dos recursos e sua competente administração.

Cabe aí, certamente, alguma forma de institucionalização do processo de distribuição dos lucros, sem esquecer que há contradição intrínseca entre o melhor e mais duradouro aproveitamento físico do petróleo do pré-sal e o maior e mais rápido recolhimento de recursos fiscais provenientes dessa atividade.

O governo, em lugar de retocar ou complementar o que já existe, preferiu começar tudo de novo, com graves riscos políticos para a administração pública e para a Petrobras, especialmente no que se refere à preservação da sua competência técnica especifica nesse segmento de suas múltiplas atividades.

O sistema de concessão ora em vigor funciona a contento. Na sua vigência, o Brasil passou de importador a exportador e a Petrobras se consolidou internacionalmente como grande e respeitada empresa no domínio da exploração do petróleo e de sua extração. A empresa negociou valiosas parcerias livremente com congêneres. A Petrobras não necessita da compulsoriedade dos 30% de participação prevista na nova legislação. Além disso, pode se tornar um erro atribuir-lhe, também, de forma compulsória, a operação de todos os campos a serem desenvolvidos no pré-sal. Seria condená-la a um gigantismo administrativo, ainda maior que o atual, ampliando o exorbitante espaço que já ocupa na economia brasileira, e que pode vir a ser prejudicial à sua própria eficiência.

A instituição pública a ser superposta à Petrobras e à Agência Nacional do Petróleo, é desnecessária. Além disso, seria ela equipada com profissionais novatos, ainda que contratados por concurso, para os quais não haveria tempo de oferecer o treinamento de que foram tradicionalmente objeto os quadros da Petrobras.

Enfim, de um ponto de vista objetivo, o que se faria necessário, a meu ver, é muito mais simples do que toda essa arquitetura. Seriam suficientes alguns artigos de lei visando aperfeiçoar a regulação da exploração e da produção do petróleo de modo a assegurar a obediência, por todas as partes envolvidas, àqueles objetivos nacionais básicos de início aqui referidos bem como alguma regra sobre a destinação dos recursos fiscais esperados.

Ao que parece, desvendada pela Petrobras a natureza geológica das reservas e delineada a tecnologia do seu aproveitamento, vamos em frente com inovações institucionais que põem em risco o resultado.

Embora ninguém possa prever o desfecho na implantação desse complexo modelo, na hipótese da sua aprovação no Congresso, é certo que haverá necessidade de período de aprendizado e que esse, por sua vez, mesmo bem-sucedido, redundará em atraso no pleno aproveitamento da nova riqueza mineral de que passamos a dispor. Melhor seria, se houver tempo, que se debata no Congresso a possibilidade de curto substitutivo não ideológico a esses três projetos de lei que tratasse, objetivamente, da questão específica e essencial do petróleo brasileiro, de cujo sucesso depende tudo mais que se está discutindo.

Antônio Dias Leite é professor emérito da UFRJ. Foi Ministro de Minas e Energia.


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