O Estado de S. Paulo |
Jad Mouawad, The New York Times
Em meados do ano passado, a Arábia Saudita concluiu a construção do seu maior projeto de expansão na extração de petróleo, abrindo um novo campo capaz de produzir 1,2 milhão de barris por dia – mais do que toda a produção do Estado do Texas. O campo, chamado Khurais, é parte de um ambicioso projeto avaliado em US$ 60 bilhões para aumentar a produção saudita e atender à crescente demanda por energia. Mas o momento da conclusão da obra não poderia ser pior para a Arábia Saudita. Há apenas dois anos, os consumidores pediam por um suprimento maior, os países da Opep enfrentavam dificuldades para aumentar a produção, e os preços chegavam a patamares nunca antes vistos. Mas agora, pela primeira vez em mais de uma década, o mundo dispõe de mais petróleo do que necessita. Com a queda na demanda provocada pela recessão global, a Arábia Saudita foi obrigada a desligar aproximadamente um quarto de sua estrutura de produção. Depois de aumentar sua capacidade para 12,5 milhões de barris diários, a Arábia Saudita extrai atualmente cerca de 8,5 milhões de barris por dia, o nível de produção mais baixo desde o início da década de 1990. “2009 foi um ano doloroso para todos, e também para nós”, disse Khalid al-Falih, presidente e diretor executivo da Saudi Aramco – a gigante estatal do petróleo –, um veterano da empresa que foi promovido ao cargo mais alto no início do ano passado. “Enfrentamos as mesmas restrições no fluxo de dinheiro que afetaram os demais países. Mas fizemos rápidos ajustes e, sem dúvida, tudo aquilo que consideramos estratégico não foi afetado.” Transição. A recessão também precipitou um marco para a Arábia Saudita e o mercado global de energia. Enquanto as bem sucedidas políticas econômicas da China prepararam o terreno para uma rápida recuperação, a recessão provocou uma desaceleração mais profunda nos Estados Unidos, reduzindo o consumo de petróleo em 10% em relação ao auge registrado entre 2005-7. Como resultado, a Arábia Saudita exportou no ano passado mais petróleo para a China do que para os EUA. Embora as exportações para os EUA possam se recuperar este ano, no longo prazo o declínio na demanda americana e a importância cada vez maior da China representam uma mudança fundamental na geopolítica do petróleo. “Acreditamos que essa é uma transição de longo prazo”, disse Falih. “As tendências demográficas e econômicas não deixam dúvidas. Em se tratando do petróleo, a China é o mercado em crescimento.” Funcionários do governo saudita disseram concordar com um preço de aproximadamente US$ 80 por barril. Apesar da demanda enfraquecida e dos grandes estoques acumulados, os contratos futuros de petróleo registraram um preço médio de US$ 75 por barril nos últimos 6 meses. Na sexta feira, este preço estava em US$ 80,68. Nos EUA, alguns especialistas acreditam que medidas para melhorar a eficiência energética, bem como o incentivo do governo ao uso de biocombustível e à redução das emissões de carbono nas fábricas, estão estabelecendo para o país a perspectiva de um menor consumo de petróleo no longo prazo. Os comentários americanos sobre a independência energética do país inquietam os funcionários do governo saudita, que consideram a meta irreal e temem que ela prejudique os mercados energéticos ao enfraquecer os investimentos atuais, levando a preços mais altos no futuro. Falih disse que medidas para aumentar a eficiência energética são bem-vindas, mas insistiu que os combustíveis fósseis devem continuar predominando na demanda por energia durante as próximas décadas. “Eu estava aqui na década de 1980, após os choques do petróleo da década de 1970, e me lembro de todos os debates”, disse Falih. “No fim, as medidas implementadas foram razoáveis. E os EUA continuam a buscar estes termos razoáveis.” Funcionários do governo saudita reconheceram que mudanças estruturais estão ocorrendo nos EUA. Alguns meses atrás, a Aramco vendeu suas instalações de armazenamento no Caribe, sinal de que a empresa estava abandonando o mercado da Costa Leste. (os sauditas abriram mão de serem o principal fornecedor estrangeiro dos EUA. Hoje o país exporta aos EUA menos do que para o Canadá, México e Venezuela.) Isso não significa que os sauditas estejam rompendo seus laços com os EUA. A Aramco está ampliando para 600 mil barris diários a capacidade de sua refinaria Motiva, em Port Arthur, Texas, da qual a Royal Dutch Shell é sócia, o que faz dela a maior refinaria dos EUA. Fim do subsídio. Edward L. Morse, chefe da divisão de pesquisa global de commodities do Credit Suisse em Nova York, disse que a transformação era uma evolução saudável nas relações entre Arábia Saudita e EUA. Ela representa também o fim do “desconto americano”, por meio do qual a Aramco vendia petróleo às refinarias americanas a um preço por barril aproximadamente US$ 1 mais baixo do que aquele praticado para os países asiáticos. “Os sauditas não veem mais motivo para subsidiar suas exportações de petróleo para os EUA”, disse Morse. No ano passado, as exportações sauditas aos EUA caíram para 989 mil barris diários, o nível mais baixo registrado nos últimos 22 anos, muito menor do que o volume de 1,5 milhão de barris diários registrado no ano anterior. Enquanto isso, as vendas para a China superaram 1 milhão de barris diários em 2009, um aumento de quase 100% em relação ao ano anterior. Os sauditas agora respondem por um quarto das importações chinesas de petróleo. A Saudi Aramco inaugurou recentemente uma imensa refinaria na província de Fujian, no sudeste da costa chinesa, que deve receber 200 mil barris diários de petróleo saudita, e estuda um segundo projeto na cidade de Qingdao, no nordeste do país. A empresa planeja também construir duas refinarias na Arábia Saudita, como joint ventures com a Total e a ConocoPhillips, destinadas primariamente ao abastecimento dos mercados asiáticos. A Índia é outro país que tem disputado a atenção saudita. Depois que o primeiro-ministro indiano visitou Riad em março, a Arábia Saudita definiu como meta dobrar as exportações para a Índia. O país já possui uma fatia de 25% do mercado indiano depois que suas exportações aumentaram em sete vezes entre 2000 e 2008. “O fluxo do petróleo está mudando do Ocidente para o Oriente, e o suprimento saudita que antes era destinado à Europa e aos EUA está agora sendo enviado para a Ásia”, disse Jean-Jaques Mosconi, vice-presidente sênior de estratégia da francesa Total. Ascensão da Ásia. Brad Bourland, ex-funcionário do departamento de Estado e atualmente encarregado de chefiar as pesquisas na Jadwa Investment, de Riad, disse: “A Arábia Saudita costumava ser um assunto principalmente americano, mas este período já se encerrou. Trata-se do reflexo de um mundo globalizado e da ascensão do continente asiático. Eles agora enxergam seu relacionamento com a China como algo de grande importância estratégica no longo prazo”. Alguns especialistas em energia e segurança destacaram que o governo saudita pretende substituir o Irã nas exportações de petróleo à China para convencer as autoridades de Pequim a apoiar sanções mais duras contra o programa nuclear iraniano, posição que recebe o apoio dos EUA. “Sabemos que os sauditas, entre outros, transmitiram aos chineses a mensagem de que a instabilidade no Golfo Pérsico não está nos interesses da China”, disse Douglas C. Hengel, vice-secretário assistente do Departamento de Estado. Mas Jon B. Alterman, especialista em Oriente Médio do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington, disse que a diminuição na dependência dos EUA em relação ao petróleo da Arábia Saudita pode se transformar num problema para os sauditas, porque são os EUA que garantem a segurança deles no Golfo Pérsico. “Os sauditas estão especialmente preocupados com o formato de um mercado global no qual todo o crescimento vem do Oriente e toda a segurança vem do Ocidente”, disse Alterman. A demanda por petróleo na China deve crescer em 900 mil barris diários nos próximos dois anos. O consumo chinês de petróleo atingiu a marca de 8,5 milhões de barris diários no ano passado, sendo que em 2000 este consumo não passava dos 4,8 milhões de barris por dia. Este ano, o país responderá por um terço do crescimento total no consumo mundial. Apesar de a China ser o mercado de petróleo de crescimento mais rápido em todo o mundo, os EUA ainda são os maiores consumidores: os americanos consumiram 18,5 milhões de barris diários em 2009. Isto corresponde a 22 barris de petróleo por ano para cada americano, comparados aos 2,4 barris anuais para cada chinês. “Acredito que esta seja uma oportunidade de negócios de longo prazo”, disse Falih. “É assim que enxergo EUA e China – são mercados de commodities nos quais a demanda ainda irá durar muitos anos.” |